terça-feira, 20 de março de 2018

POR QUE CRIANÇAS SÃO MORTAS NA SÍRIA?





Crianças sírias são mortas diariamente nos hospitais de Goutha Oriental, vítimas de foguetes e armas químicas utilizadas pelo ditador Bashar al-Assad, apadrinhado do presidente russo Vladimir Putin, que pretende estender sua influência ao Oriente Médio, recebendo ainda assistência logística de milicianos do grupo paramilitar Hezbollah e do governo xiita do Irã, que conjuntamente combatem organizações rebeldes de várias tendências, desde moderadas como o Exército Livre Sírio, subsidiado por países do Ocidente, até as mais radicais como Frente Al Nusra (atual Fatah Al-Sham), ligada a Al Qaeda, além de facções rebeldes salafitas financiadas pela Arábia Saudita e de militantes vinculados à Fraternidade Muçulmana que recebem apoio do emirado do Qatar e sobretudo da Turquia, cujo governo conduzido por Erdogan, afastado recentemente dos Estados Unidos (por ele acusados de estarem por trás da tentativa de golpe ocorrida em julho de 2016), vem ensaiando uma maior aproximação com a Rússia (não obstante o apoio desta a Assad), embora repudie a presença, na coalizão, de combatentes curdos, aliados dos americanos (por terem integrado a coligação de enfrentamento aos extremistas do Estado Islâmico) com receio de que venham a reivindicar autonomia ao Curdistão, território que também abarca, além de terras sírias, parte do Iraque, cujo governo, por outro lado, é igualmente sustentado pelos EUA desde 2003, quando alijaram do poder o ditador Saddam Hussein, ocasionando o esfacelamento da nação, um vácuo de autoridade  e a eclosão de dezenas de grupos sunitas e xiitas, assim como ocorreu na Líbia pós-Kadhafi, o que propiciou a erupção de facções jihadistas radicais, pondo fim à ‘primavera árabe’ que pode não ter chegado à Síria mas alcançou a Tunísia e o Egito cujo presidente Mursi, eleito democraticamente após a queda de Hosni Mubarak, foi destituído do poder em 2013 pelos militares os quais implantaram um regime autocrático que mantém relações amistosas com Damasco, situação semelhante à do Afeganistão, onde o governo, amparado militarmente pelos EUA, não consegue exterminar a milícia talibã a qual intenciona implantar a ‘lei da sharia’ baseada nos preceitos do Alcorão e destruir todos os símbolos que não tenham relação com o Maometismo, mesmo princípio adotado pelo ISIS que se perfila, aliás, ao lado dos guerrilheiros anti-Assad na Síria, cujo governo pretensamente laico mantém paradoxalmente relações cordiais com as minorias alauitas, cristãs e drusas as quais temem a ascensão de um governo fundamentalista muçulmano inspirado nos ideais reformistas que se espalharam pelo mundo árabe a partir de 2010, tendo desencadeado uma sangrenta repressão a seus opositores, num conflito que vitimou mais de 500 mil pessoas.
Simples assim...
Enfim, quem é o culpado por essa insanidade? Bashar al-Assad? Os russos? Os americanos? Os grupos rebeldes de oposição? A Arábia Saudita? A Turquia? O Irã? O Hezbollah? Os xiitas? Os sunitas? Os alauitas? Os drusos? Os cristãos? Os curdos? Os israelenses? Os palestinos?  O Estado Islâmico? A Al Qaeda? A Frente Al Nusra? A ONU? O mosquito da dengue?
Cada uma das partes se exime e acusa hipocritamente o inimigo. Mas a verdade é que ninguém parece efetivamente disposto à iniciativa de estabelecer a paz, empenhado que está em melhorar sua posição relativa no tabuleiro de xadrez em que se digladiam poderosos interesses estratégicos e econômicos. Não há nem mesmo a preocupação de prover um mínimo de salvaguardas para proteger civis inocentes que sequer conhecem as razões do morticínio (se razões possa haver para tal).
Afinal, o que representa o detalhe de uma mera criança morta ante a “grandiosidade” dos ideais geopolíticos em jogo? Em que líderes iluminados, guiados por estratégias mirabolantes, ideologias supremacistas, religiões transcendentes ou mera ambição, dedicam-se a fabricar cadáveres.
Alheio às elevadas injunções urdidas nos escalões superiores, o desesperado pai só quer saber uma coisa: “Quem, por Allah, é o culpado pela morte do meu filho?”
Quando crianças indefesas são assassinadas corriqueiramente, todos cruzam os braços e ninguém faz nada é porque os fundamentos éticos que sustém a nossa civilização entraram em colapso.
Todos somos culpados. Não apenas pela omissão, mas também por termos sido incapazes de tornar o mundo um lugar menos sórdido e inóspito onde a vida consiga vicejar. Em que nossos filhos possam brincar felizes ao invés de serem alvejados por mísseis e gás sarin. E por termos nos tornado tão assustadoramente indiferentes ante a escalada de barbárie que assola o planeta.