quinta-feira, 30 de novembro de 2017

MINHA QUILOMETRAGEM

   

 Lá fora, rodam os quilômetros. Monotonamente invari­áveis. Uniformemente tediosos.
Eu, na janela do ônibus, parado, andando. O olhar mor­to, absorto, a olhar torto o mundo que corre solto, vivo, vívi­do, do outro lado do vidro.
A acelerada paisagem, de passagem, leva de roldão os quilômetros e as placas dos quilômetros. Restantes, idos, vin­dos, infindos.
Nuvens, pedras, montes, fontes, pontes, postes, postos, pistas, pastos, gramas, árvores, vacas, gentes.
O que fazer com as montanhas que, com sua beleza perene, não podemos carregar? Deixamos ficar lá atrás. Po­demos tê-las em nós? Subtraí-las da paisagem? Ou são elas a paisagem? E se nos subtrairmos, incorporando-nos a elas? Relevando-nos.
Os quilômetros vão indo e vêm vindo. Vai a vida, na via, se esvaindo. Qual um ônibus circular. Sem parada, sem destino.
A estrada engole veloz, feroz e vorazmente minha exis­tência. Aos quilômetros. A distância que o quilômetro, de qui­lômetro em quilômetro, sentencia exata, irrefutável.
A chegada ao ponto final se prenuncia quando as luzes tornam-se menos espaçadas. Seu brilho ainda descontínuo re­vela e releva, aos poucos, aos clarões, os sinais do envelheci­mento, do esquecimento, da viagem sem volta.
Não é em vão que vão os quilômetros se acumulando. Irrefreáveis. Inexoráveis.
Meus anos de vida, esmigalhados em uma porção de dias iguais, espalham-se, tais como os quilômetros, pela es­trada. Engolidos pelo asfalto. Atropelados pelo caminhão do tempo.
Tudo o que está sendo, nesse instante, nesse quilôme­tro, digno de se lembrar e sinalizar, passando rapidamente pela janela atroz. Em implacáveis placas. As primeiras luzes da cidade acendem o pisca-alerta da chegada iminente e do tanque quase vazio. Passos derradeiros e claudicantes dessa estrada sem curvas e pouco acidentada.
Vinte, trinta mil dias de viagem. Igualmente fúteis e inú­teis. Quanto é isso em vida? E em quilômetros?
Distância e tempo embaralham-se em minha mente. O decorrer do tempo é a distância que me separa do próximo momento?
Os quilômetros estão lá fora? Ou trazemo-los em nós?
Uma viagem de muitas idas, muitas vindas e um só des­tino.
  

Adaptado de texto do livro “O QUE DE MIM SOU EU”


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