sábado, 14 de março de 2015

A POBREZA E A NOBREZA


Carrego, dizes, sangue nobre na veia, sou da elite branca. Graças a alguns tostões honestamente conquistados, estou eternamente condenado a não morrer de fome. Triste sina.

Nem por isso ostento galardões burgueses: levo vida modesta, despojada, não trajo roupas de grife, só uso transporte público ao lado dos mais pobres (e dos menos pobres) do que eu. Se alguma nobreza cultivo é a de princípios.

Já tu, nobre companheiro, gabas-te de ter a pobreza do teu lado. Não apenas a dos pobres de recursos, mas a dos pobres de espírito, a dos pobres de convicções, a dos pobres de anseios. Esses (carentes que são também de pensamento e de discernimento) são os que hoje te seguem.

Pelos trocados que lhes repassas (subsídios, assistencialismos, auxílios, benefícios, bolsas), formam uma legião que blinda o poder de que te apoderares. É o preço a pagar, não do teu bolso, mas com dinheiro público (tanto de ricos quanto de pobres) de que indecentemente te apropriaste, para a ti manterem-se fieis. É isso que te torna desgraçadamente POBRE, na mais completa acepção do termo. E que te permite, mesmo rodeado de “pobres coitados”, levar uma vida nababesca, distanciada de gente pobre, maltrapilha. Um “pobre” magnata.

O pior dos pobres, o pobre de fachada, aquele que, a despeito de seu discurso igualitário, só freqüenta shoppings de luxo, hotéis cinco estrelas, restaurantes caros e hospitais de referência utilizados pelos mesmos milionários que finges hostilizar, proferindo bravatas demagógicas, num burlesco jogo de cena. Que pobreza moral! Nessa patética jornada, acompanham-te congressistas, pastores, astros esportivos, duplas sertanejas, apresentadores de TV, traficantes de drogas e advogados de bandidos. Todos que, sendo, em essência, indigentes, amealham fortunas, venerados e elevados ao ápice por muitos outros pobres.

Carregas modestos milhões de dólares. E (com eles) faturas míseros milhões de votos. Jamais poderia eu, com meus estritos princípios e minha rude sinceridade, concorrer contigo numa eleição, turbinado que és pela aparatosa falsidade, pela faustosa mentira e pelo ostentoso apelo fácil que arrebata multidões de pobres, de todas as classes. Pobre de mim...

E penso com meus pobres botões: de que vale ganhar o poder nas urnas se esse sistema pobre (e podre) que aí está é para beneficiar apenas os pobres de caráter.

Fica com teu pobre poder. Eu fico com a minha rica liberdade. Usarei da minha liberdade para te criticar e usarás do teu poder para me calar. Talvez um dia consigas fazê-lo, apoiado pelo exército radical armado de pobres que estás arregimentando, tal como fizeram Hitler, Stalin e Robespierre.

Podes ficar com teus juristas e teus políticos servis e com os milhões de “pobres diabos” por eles enganados e usufruas das benesses do poder a que te apegas, como um pobre a um prato de comida.

Eu ficarei com os que pensam, os que sentem, os que criticam, os indignados, os inconformados, os justos, os incorruptíveis, os estudiosos, os sensíveis, os artistas, os altruístas, os idealistas, os humanistas, os ambientalistas, os socialistas (genuínos), aqueles que (sendo pobres ou ricos) não se deixam enganar por falsos pobres.

Não falo de endinheirados, mas de diferenciados. Aqueles cuja exuberância de ideias, criações e atitudes fizeram a vida menos pobre para todos. São poucos, não elegeriam sequer um vereador, mas sem precisar titular nenhum político, estão sempre tornando mais rico o destino de burgueses e plebeus.

Tu ficas com as massas, eu fico com a nata. Tu, empavonado, ostentas um rebanho de bois; eu, humilde, me galhardeio com as ovelhas negras. Comandas os obedientes, os homogêneos, os monocórdios. Eu avoco os contestadores, os libertários, os criativos. Esbanjas a quantidade. Eu louvo a qualidade.

Dinheiro não é a questão. Pois nada é mais parecido com uma horda de pobres imbecis do que uma horda de ricos idiotas. Esses votam nos corruptos de direita, enquanto aqueles elegem os corruptos de esquerda. E por ambos os lados somos democraticamente espoliados. Isso faz a verdadeira penúria desse país miserável, onde possuídos e despossuídos são igualmente “pobres”.

Podes bradar que sou elitista e eu te responderei sem falsos pudores: POBRE !!!